Um futuro distópico em uma cidade de São Paulo sem luz, dominada por gangues que vivem numa disputa acirrada por território… e sobrevivência. Esta é a premissa da HQ Apagão, da Editora Draco.
Na sequência, vemos como Heloísa e a gangue das Patinadoras vão lidar com o rapto de sua amiga Malagueta, que está grávida. As sequestradoras são as terríveis Irmãs Canivete, uma gangue dissidente das Patinadoras. Mas o maior problema está no preço do resgate: uma missão suicida para invadir e roubar o item mais valioso dos Macacos Urbanos, uma das gangues mais ferozes de toda cidade.
Essa emocionante aventura foi escrita por Raphael Fernandes, desenhada por Abel e colorida por Fabi Marques. O retorno de Apagão aos quadrinhos foi contemplado com o ProAC 2019, lei de incentivo da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Quer saber mais sobre esta incrível HQ e o cardgame que será lançado simultaneamente? Confira na entrevista a seguir!
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The Geek News: Olá, Raphael, Primeiramente gostaríamos de agradecer por topar está entrevista, conte um pouco sobre você, e sua carreira.
Raphael Fernandes: Eu que agradeço pela oportunidade! Sou roteirista e editor de quadrinhos, mas minha formação é em História pela USP. Tenho mais de 15 anos de experiência no meio editorial e já trabalhei com Marvel, DC, álbuns europeus, argentinos, tirinhas, etc. Porém, minha vida mudou quando assumi a revista de humor MAD e estive a frente da publicação por 10 anos, publicando mais de 100 edições. Enquanto fazia tudo isso, comecei a escrever roteiros de quadrinhos de terror, ficção científica e crime, que acabaram me levando para outros caminhos. Meu trabalho mais conhecido é a HQ “Ditadura No Ar – Coração Selvagem”, desenhada pelo meu parceiro Abel, que levou o Troféu HQMix em duas categorias. Também escrevo muitos quadrinhos para coletâneas e essa acabou sendo uma das maiores especialidades da Editora Draco, onde sou sócio e editor. Desde então, estamos aí… lendo tarot, falando de horror e contando histórias malucas.
The Geek News: Em segundo, conte pra gente como surgiu a ideia da HQ Apagão, e qual a mensagem você quis passar com a história?
Raphael Fernandes: Tudo começou em 2009, durante um show do Gogol Bordello! Estava com a minha companheira curtindo a mistura de rock e cultura cigana, quando o vocalista Eugene avisou todo mundo que havia acontecido um blecaute. No entanto, eles continuariam tocando até que as baterias acabassem. Na hora, nós pensamos que poderia ser alguma gíria ou brincadeira deles. Demos uma bela enrolada na saída e quando fomos buscar o carro no estacionamento, não havia ninguém e estava tudo escuro. O rapaz do estacionamento nos avisou que havia acontecido um blecaute e que ele estava nos esperando pra ir embora. Falou pra tomarmos cuidado, pois chegou até no Paraguai. O celular estava sem sinal. Ligamos o rádio e todas as estações estavam fora do ar. Exceto por uma, que anunciava de forma dramática: os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais etc continuam sem eletricidade. Não sabemos se foi um ataque. Acredita-se que a usina hidrelétrica de Itaipú tenha sofrido algum tipo de pane. Bom, falei pra Michelle que iria acelerar e só parar quando chegasse em casa. Nós estávamos na zona oeste e tínhamos que voltar para a zona leste. Fomos passando por diversas partes da cidade. Tudo vazio. Cones desviavam um trânsito invisível, lojas fechadas, letreiros apagados, nenhuma janela iluminada. Quase atropelei um louco que tentou parar na frente do carro. Quando já estava na Avenida Aricanduva, as luzes voltaram. E junto com elas nasceu a semente do Apagão.
Muito inspirado na série de quadrinhos “Batman – Terra de ninguém”, vivia imaginando quem seriam os grupos que dominaram uma São Paulo pós-apocalíptica. Foi assim que nasceu o conceito das gangues e toda a ideia de trabalhar pensamentos políticos antagônicos representados por elas.
Cada edição, descubro uma nova coisa que quero contar com Apagão, mas essencialmente a ideia é discutir o que podemos fazer para ter um mundo melhor apenas com as nossas ideias e ações. Por isso, destaco os Macacos Urbanos e as Dandaras como as gangues que protagonizam o gibi, pois são inspiradas em pensamentos progressistas, movimentos sociais, culturais e artísticos.
The Geek News: Como foi o processo de desenvolvimento do quadrinho, escolha do desenhista? E como foi a repercussão do quadrinho no mercado?
Raphael Fernandes: A primeira história foi a segunda HQ que apresentei para a série de coletâneas Imaginários em Quadrinhos, da Editora Draco. Escrevi muito rápido e apresentei a ideia para o Camaleão, que na época era o capista da revista MAD. Somos grandes amigos e fazia tempo que queríamos bolar algo juntos. Quando saiu, o gibi foi muito recebido pelo público. Não piro muito na resposta da crítica, meu negócio é ser lido por todo tipo de pessoa. Curiosamente, os gibis do Apagão sempre agradaram ao público que me pede muito para escrever e produzir continuações. Por isso, lançamos mais uma: Apagão – Fruto Proibido.
The Geek News: Tendo em vista o atual mercado brasileiro de quadrinhos, como você acha que é a melhor forma de se destacar em um meio cada vez mais rico em produções desse gênero?
Raphael Fernandes: Não faço a mínima ideia. Tudo o que nós fazemos na Draco é produzir as histórias que achamos importantes de serem contadas. Nosso objetivo é realizar os nossos sonhos e ver se mais gente embarca nessas aventuras, devaneios e pesadelos que criamos. Para falar a verdade, o mercado brasileiro é muito fragmentado e ainda muito ditado pelas produções estrangeiras, como a invasão de álbuns europeus e argentinos que tem aparecido agora. Ainda se valoriza muito pouco a produção nacional, mas a gente não tá nem aí. A gente divulga as histórias pelo que elas são, sem ficar apelando pra nacionalismos, mas sem deixar de ser muito brasileira em sua linguagem, estética e conceitos. Tem dado certo.
The Geek News: Qual sua opinião com relação à valorização da cultura nacional (folclore, lendas indígenas, histórias características de determinada região), do brasileiro em si, em filmes, livros e quadrinhos? Acha que isso deveria ser uma unanimidade no que diz respeito a produções brasileiras?
Raphael Fernandes: Tenho uma visão um pouco polêmica sobre esse assunto, pois acho bem complicado a gente ficar preso em folclore. Ainda mais com pesquisas superficiais e/ou uma viés totalmente construído por uma visão eurocêntrica. O que espero de uma obra nacional é que ela faça com que eu me identifique com os personagens, como nenhuma história gringa é capaz. Se for ambientada no Brasil, eu quero sentir o cheiro, ver e tocar lugares que já fui ou que posso amanhã. E, acima de tudo, desejo ser conduzido por uma trama que somente um outro ser humano que nasceu nesse pedaço de terra seja capaz de construir. Ou seja, eu prefiro que a linguagem, a ambientação e a construção narrativa sejam inspiradas no que somos, vivemos e moramos, do que ver os nossos mitos requentados de Câmara Cascudo e Monteiro Lobato. Por isso, eu valorizo e devoro Lourenço Mutarelli, Diego Moraes, Mutantes, José Mojica Marins, Escória Comix, Marcelino Freire, Júpiter Maçã, Dennison Ramalho, Gal Costa… prefiro artistas brasileiros que falem com meus ossos.
The Geek News: Por último, conte um pouco sobre o que podemos esperar da nova HQ da série, e como a história poderia dialogar com a atual situação em que nosso país está passando.
Raphael Fernandes: Quando comecei a escrever “Apagão – Fruto Proibido”, só queria escrever uma baita história de ação com guerreiras urbanas de patins! Porém, no meio do processo, descobri que precisava ser muito mais do que isso. Precisava construir personagens profundos e complexos, que agradassem também às leitoras. Após muito trabalho e dedicação, conseguimos criar uma história que apresenta temas relevantes do nosso país, os papéis impostos às mulheres, os conflitos internos que vivemos todos os dias e ainda ser uma baita história de ação com guerreiras urbanas de patins! Preparem-se para uma história cheia de momentos emocionantes, porradaria e altas situações tensas em uma São Paulo sem eletricidade.
The Geek News: Para encerrar, deixe uma mensagem para todos aqueles que estão começando e pretender seguir carreira na área de hqs…
Raphael Fernandes: Muita gente me pergunta se dá pra viver de quadrinhos. Costumo responder que não sei como viver sem quadrinhos. Nesse jogo bobo de palavras, acredito que está a grande questão. Os quadrinhos não vão te fazer enriquecer e, na maioria das vezes, vão é consumir os seus recursos, mas se você sente uma necessidade incontrolável e inabalável de contar histórias usando essa linguagem… Produza o máximo que puder e a única coisa que espere em troca é a leitura e o tempo das pessoas. Por isso, não abandonem seus empregos. Façam quadrinho nas horas vagas, como um projeto paralelo. Se tiver que ser, será.
O que está esperando? Corre lá no Catarse e garanta já o quadrinho e o cardgame!
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