Desde que o capítulo 1 do remake de “It – A coisa” estreou nos cinemas ano passado, era grande a expectativa para o encerramento da história iniciada no primeiro filme.

O capítulo Um veio aos cinemas com ares de Stranger Things, trazendo uma temática oitentista (incluindo ainda o Mike de Stranger Things no elenco) e o clássico mote de sessão da tarde já muitas vezes explorado que consiste em um grupo de crianças/pré-adolescentes se unindo para enfrentar um inimigo em comum. Desde Os Goonies até Conta Comigo, e a própria série da Netflix, este plot já foi bastante usado, o que torna qualquer filme que se dedique a usá-lo um verdadeiro desafio, uma vez que deve se tomar muito cuidado para que o caminho tomado pela narrativa não soe como “já vi isso em algum lugar”. Em tempos onde nenhuma produção – seja ela em mídia cinematográfica, séries, quadrinhos, etc – escapa do inevitável fator comparativo (ainda mais sabendo que o livro de Stephen King já havia sido adaptado, no final da década de 80), restava a famosa questão de como criar um diferencial. Pois bem, os produtores surpreenderam não apenas com a trama bem conduzida, mas com a fidelidade monstruosa à obra que inspirou o filme, com diversos detalhes que não couberam na versão de 1990 por razões técnicas e/ou de orçamento. Bill Skarsgard, até então muito criticado por sua escolha como o palhaço Pennywise/Parcimonioso, sofreu do “efeito Heath Ledger” ao entregar uma caracterização marcante e uma interpretação assustadora.
Os membros do clube Os otários e suas versões adultas
No entanto, como os próprios diretores disseram, sua versão do clássico de Stephen King seria diferente de tudo já visto antes, então, a trama, que realmente tem material para três filmes ou mais, deveria ser dividida. Sendo assim, deu-se prosseguimento à produção do capitulo 2, que seria o encerramento da trama. Já de início, vemos uma escolha muito bem feita de atores. A segunda parte da trama acompanha os mesmos personagens que vimos no primeiro filme, porém em suas versões adultas. E a impressão que temos é que eles REALMENTE são as versões crescidas dos membros do clube conhecido como “os otários” (os perdedores, na versão do livro), uma vez que não apenas são parecidos fisicamente, como mantém as mesmas características – Bill (James McAvoy, sempre ótimo) ainda gagueja, Eddie (James Ransone) continua com os mesmos comportamentos protetivos, e até mesmo o novato (Jay Ryan) permanece com a pureza de sua versão infantil. Beverly (Jessica Chastain) continua carregando o fardo de ser a única presença feminina no filme, e, apesar de não ter a mesma força de sua personagem quando criança, possui uma linha narrativa interessante. Até mesmo Stan (Andy Bean), que quase nem aparece, tem um peso necessário para a narrativa.
O filme, de duas horas e meia de duração, sabe explorar bem as individualidades de cada um de seus protagonistas (tomando o cuidado de não ter predileção para nenhum), bem como suas relações em conjunto. Vemos o romance insinuado entre Berverly e Bill, e o ciúmes velado de Ben, vemos os traumas de cada um, e como o vilão sabe usar isso em proveito próprio. Afinal, estamos falando de uma entidade sobrenatural que passou anos (milhões de anos, como diz o filme) se alimentando de pessoas e usando o medo de cada uma delas – em especial crianças. Por isso, o filme tem um tom bem diferente do primeiro. Apesar do terror e a tensão se manterem constantes, e os clássicos jump scares estarem presentes (na medida certa), ainda assim tem-se a impressão de que Pennywise já não é tão assustador. E isso faz total sentido dentro da trama, uma vez que, cientificamente falando, o medo afeta mais crianças do que adultos. Porém, é genial o modo como o roteiro mostra que, mesmo tendo atingido a maturidade, conquistado uma carreira de sucesso e vivendo relativamente bem segundo o “american way of life” , cada um dos personagens ainda guarda, mesmo sem aceitar, um rancor ou trauma do passado, bastante enraizados dentro de si. Isso é muito comum nos livros do autor. Outro elemento que praticamente saltou das páginas para as telas é o fator do terror gerado não pelo sobrenatural, mas pela maldade humana, fato evidenciado logo no começo do filme, quando um grupo de homofóbicos agride um casal gay em Derry (e para quem pensa que isso foi colocado no filme apenas por puro marketing, saibam que isso está no livro.), ou quando o marido de Beverly demonstra seu lado monstruoso. Quem é fã assíduo das obras do escritor sabe o quanto ele explora bem essa faceta do ser humano, fazendo questão de mostra que o “homem é o diabo do homem”.
Outro ponto muito importante, e que realmente poucos filmes abordam, é a mitologia por trás do universo de Stephen King. Considerando que temos uma enorme quantidade de produções baseadas em obras do autor, chega a ser quase uma vergonha que nenhuma delas sequer abordou metade do universo compartilhado (sim, todos os livros se passam em um mesmo universo, os fãs da série A Torre Negra sabem que existem vários pontos onde as tramas se entrelaçam). Pois bem, em It – capítulo dois vemos o ritual de Chud – um ritual xamanístico com raízes na cultura indígena norte-americana – que o autor adora abordar nos livros – que se revela como a única maneira de deter a coisa. Mesmo que o trecho em questão tenha sido rápido e até superficial, é louvável que uma adaptação cite conceitos do kingverso, como a própria chegada da Coisa à terra, em forma de meteorito, e a entidade conhecida como Maturin, a grande tartaruga que sustenta o eixo do universo e é um dos animais guardiões ligados à Torre (além disso, ela simboliza a criação, o que a coloca como grande adversária de Pennywise, que seria a Destruição). De fato, faltou um pouco mais de aprofundamento na explicação do ritual e mesmo nas primeiras manifestações do palhaço assassino em Derry, o que faz toda a explicação soar confusa para quem não conhece a obra de King. Mas no fim a trama consegue concluir o plot de forma compreensível.
Concluindo, o filme consegue amarrar de forma criativa e consistente as pontas soltas deixadas pelo primeiro filme, ao mesmo passso em que mostra de forma concisa o amadurecimento e os traumas latentes de cada um dos membros do clube dos otários. Apesar da tensão e dos sustos constantes, a trama consegue amarrar momentos de calmaria com cenas tensas, e até mesmo momentos de alívio cômico de forma sábia. Claro que, assim como toda obra que nasce da adaptação de uma obra literária, ainda mais em se tratando de um livro de mais de 1000 páginas, muitos momentos e cenas realmente passam bem mais rápido do que deveriam, e muitos momentos foram cortados – mas no geral, o filme sabe aproveitar muito bem seus 165 minutos de duração para se aprofundar em seus subplots (fico imaginando como it seria caso se tornasse um seriado) e culminar em um clímax de forma natural e no ritmo certo. De certa forma, todas as tramas convergem para um mesmo ponto, que é o retorno à casa assombrada do primeiro filme, e do confronto definitivo contra o parcimonioso em sua verdadeira forma (aliás, deixo aqui meu elogio aos efeitos visuais do filme, que transformaram o palhaço em uma aranha gigante), e um desfecho consistente. Apesar de não haver nenhum plot twist ou grande reviravolta, por assim dizer, a conclusão da trama é satisfatória, e fiel ao livro.
Nota: 8,0 de 10,0
Recomendado! Pode assistir sem medo (rsrs)