Muitos adolescentes e crianças passam muitas horas jogando em telas de computador e celular e isso vem trazendo malefícios a saúde.
Artigo escrito por Eduardo Guedes*
Jogar demais na internet faz mal?*
Recentemente recebemos no Instituto Delete no Rio de Janeiro a jovem M.P. de 21 anos que ficava mais de 10 horas por dia em jogos na internet.
Ela chegou acompanhada de sua mãe e tinha o corpo franzino, aparentando 10 anos para menos, provável reflexo da falta de exercícios, alimentação desbalanceada e pouca exposição ao sol em uma idade que seria natural o desenvolvimento físico e transformação do corpo.
M.P. tinha o olhar bastante expressivo, estava calma e era muito bem articulada. Primeiro conversamos informalmente e, em seguida, aplicamos o questionário de avaliação da dependência, para então fecharmos o diagnóstico e orientações junto a psicólogos e psiquiatras do Instituto.
Normalmente, ela se alimentava ao lado do computador para evitar interrupções, dormia sempre muito tarde, tinha ardência nos olhos e dores nas articulações das mãos, provável consequência das excessivas horas conectadas.
Sua pele também estava com algumas feridas, possível indício de elevado cortisol e adrenalina.
O uso compulsivo da internet prejudicava as suas notas na faculdade e uma possível vaga de estágio que tanto almejava.
M.P. não se considerava dependente e nem se sentia sozinha, pois considerava que o jogo on- line era uma forma de conhecer outras pessoas e vencer a própria timidez.
Ela tinha muitos amigos virtuais e até um namorado que nunca encontrou presencialmente.
Entretanto reconhecia que usava demais a internet e entendia que poderia ter problemas no futuro, mas não no presente.
Afinal, jogar demais na internet vicia e faz mal?
Essa era a dúvida de sua mãe que recorreu ao Instituto para obter orientações de como proceder.
Primeiro, precisamos relativizar o assunto. Jogar muito na internet não significa necessariamente dependência, mas pode representar um comportamento abusivo se o virtual atrapalhar o real.
A dependência acontece quando há um nível de perda de controle e existem instrumentos adequados para medir isto, além obviamente a própria análise clínica.
Ambos os casos precisam de orientação de um especialista, mas geralmente a dependência está associada a um transtorno primário (ansiedade, pânico, depressão, TOC etc) e exige um tratamento mais direcionado.
Utilizamos TCC (terapia cognitiva comportamental), técnicas de respiração e de dessensibilização, além da intervenção com medicamentos nos casos mais graves.
A intenção não é proibir o uso de jogos, mas transformar o usuário compulsivo em um usuário consciente.
Como fazer isto?
É importante definir limites de horário nos dispositivos e ocupar esse novo tempo que passará desconectado por novas atividades na vida real, substituindo aos poucos o mecanismo de recompensa virtual por gratificações na vida real.
A psicologia positiva explica que a felicidade está apoiada em coisas que te proporcionem sentido, pertencimento e realização.
Um jogo proporciona sentido (expectativa de pular de fases, ganhar prêmios), pertencimento (interação com outros gamers) e realização (satisfação ao ganhar recompensas e reconhecimento da comunidade).
Da mesma forma, o exemplo de cuidar de cachorros pode ser um poderoso aliado no combate a ansiedade ou depressão, pois também proporciona sentido (comprar ração, alimentar, dar banho), pertencimento (levar para passear ou ir ao veterinário e interagir com outras pessoas) e realização (afeto e carinho que os pets distribuem).
Mas M.P. não queria diminuir o tempo que dedicava aos jogos, pois ela sentia prazer naquilo que fazia e tinha dificuldade de encontrar sentido em outras atividades.
Ao mesmo tempo, considerava que a internet ajudava a “vencer” a sua timidez e permitia socializar com muitas pessoas. A mesma internet que ajuda na socialização virtual, quando usada de forma abusiva, também pode aumentar o desprezo pelas relações na vida real, gerando isolamento, fobia social e prejuízo nas relações intra-familiares.
A internet funciona como um escudo, pois permite uma exposição controlada onde você define quem você é, com quem, quando e como falar.
O terreno da nossa idealização é sempre mais fértil e prazeroso do que a vida real, pois possibilita que a nossa imaginação construa uma realidade fantasiosa que gostaríamos de viver. Porém sem o contato na vida real, jamais será possível enxergar a altura, ouvir o tom da voz ou identificar traços de personalidade que apenas o convívio real será capaz de revelar. Assim como também usualmente acontece com o típico exemplo da frustração ao assistir um filme cujo livro você já leu.
É necessário estar atento a alguns padrões de comportamento associados a compulsão de jogos on-line.
Em geral comportamentos abusivos (álcool, games, internet etc) podem esconder uma tentativa de se esquivar da realidade muitas vezes associada com o hábito da procrastinação.
O problema é que nosso cérebro é programado para construir hábitos, sejam bons ou ruins. Explico: quando passamos a fazer uma atividade, no modo piloto automático, economizamos a energia que eventualmente gastaríamos nesta ação.
Por isso, precisamos reprogramar estes hábitos através da identificação e substituição dos gatilhos e recompensas que criaram este padrão de comportamento. Exemplificando: ao acordar, M.P. liga o computador e fala com os seus amigos virtuais. O gatilho é acordar e a recompensa é a socialização, pertencimento. Ele pode substituir o ato de ligar o computador por dar uma volta no quarteirão com o cachorro ou ir a padaria com o seu pai, que permitiria a socialização com pessoas no mundo real.
Abaixo, compartilho 3 dicas preciosas que podem ajudar a lidar no dia a dia com esta questão:
- Evite jogar muito tarde ou antes de dormir. Comece a desconectar 2 horas antes de dormir. O corpo precisa desacelerar e a internet gera um efeito estimulante. Procure atividades que relaxem antes de ir para cama como ouvir uma musica mais calma, ler um livro, conversar com alguém ou mesmo ver televisão.
- Observe os seus hábitos durante um dia e tente descobrir quais são os gatilhos e recompensas que despertam a vontade de jogar (antes de dormir, depois do colégio etc). Aos poucos, você pode substituir estes momentos por novas atividades que também despertem a sensação de satisfação que você tem ao jogar.
- Priorize atividades na vida real como ir ao cinema, encontrar os amigos ou passear com a família.
*Por Eduardo Guedes, membro do Instituto Delete, pesquisador do Instituto De Psiquiatria da UFRJ e especialista sobre o impacto das redes sociais no comportamento humano.
Sobre o Instituto Delete
O Instituto Delete é um centro pioneiro e de referência que há mais de 10 anos pesquisa e trata pessoas com uso abusivo ou patológico de telas e internet. Surgimos dentro do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e já realizamos mais de 1000 atendimentos.