Estamos no ano de 2022, onde as pessoas decidiram que sensatez deve se tornar artigo de luxo e pouca gente utilizar, este é um fenômeno que vem se impetrando na sociedade, cada dia mais polarizada, onde a cultura do cancelamento vem se expandindo inadvertidamente, enquanto pessoas que se posicionam contra essa aberração das redes sociais, muitas vezes são apontadas como “politicamente incorretas”.
Infelizmente a polarização realmente tem levado as pessoas a serem menos tolerantes, mas eu não digo menos tolerantes com coisas que não devem ser toleradas, como racismo, discriminações de gênero, elitismo, supremacismos, e outras coisas gravíssimas que todos devemos lutar contra. Em alguns casos, as pessoas estão sendo intolerantes com coisas do tipo “o gosto cultural”, só observar como algumas pessoas que não gostam de gêneros musicais como o funk carioca, condenam totalmente o ritmo, por às vezes ter tido o dissabor de ouvir uma música com linguajar que considere inadequado, sendo que poderiam apenas desaprovar um grupo de MCs, e buscar outros que agradem mais.
E no cinema, que o Filme Top Gun Maverick estreou, a crítica falou de masculinidade tóxica, porém, o filme caiu nas graças do público, teve uma boa bilheteria (ainda que, talvez possa ter sido impulsionada pela lenta retomada econômica graças à adesão da população às vacinas, o que deixou mais pessoas confiantes para ir ao cinema), Top Gun Maverick se mostrou um bom filme, com ação, efeitos especiais e tudo o que sempre tivemos no cinema de agrado popular. Há quem reclame de falta de protagonismo feminino? Sim, há. Mas, qual o problema disso? Os tempos mudaram, e estamos tendo muito mais protagonismo feminino hoje do que tínhamos há 10, 20, 30 anos, e talvez isso tenha causado algum estranhamento, assim como protagonismo feminino ou de negros, causavam estranheza no passado.
Fazendo um paralelo entre Top Gun Maverick e a Série O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder, da Amazon, que foi lançada no dia 02 de setembro de 2022, e nos primeiros dois episódios tivemos um protagonismo feminino enorme, sobretudo de Galadriel, vimos alguns fãs da franquia criticar, falar que a série é de lacração, estão ridicularizando ou diminuindo os homens, e outras coisas do tipo. Há pessoas detonando a série, enquanto há sites dizendo que a estreia foi boa e superou as expectativas da Amazon, etc. Então, começam a comparar a estreia de Os Anéis do Poder com A Casa do Dragão (derivado de Game of Thrones que estreou dia 21 de agosto de 2022). Se levarmos em consideração que a série da HBO chegou 2 semanas antes, talvez a estreia “tardia” da série da Amazon justifique um pouco da frustração do público, já que as duas séries são opostas em vários sentidos.
Enquanto A Casa do Dragão vem com uma fotografia constantemente contrastante, e mescla toda sua trama política, extremamente densa, com momentos de ação repletos de violência e visceralidade, enquanto usa pouca profundidade de campo, como cenas noturnas e muita névoa para baratear e disfarçar o detalhamento da computação gráfica, Os Anéis do Poder já optam por deixar mais facilmente identificável a computação gráfica, focando em elementos que saltam aos olhos e cores vibrantes, para combinar com sua narrativa mais fantasiosa e aventuresca, sem necessariamente explorar uma violência gráfica explícita. Porém, ambas convergem quando falamos de uma fotografia belíssima e empolgante, tornando cada cena num ambiente envolvente.
Mulher Hulk sofre também com o protagonismo feminino, e brinca com isso, como quando ela, em seu roteiro que sofreu fortes interferências da Disney precisa mostrar celeridade na apresentação de personagem e seus poderes, contrariando a lerdeza dos filmes de introdução de personagens, como Homem de Ferro, Hulk e Thor. Jennifer em pouco tempo demonstra-se “uma versão melhorada” do Hulk do Bruce… Esta série tem uma linguagem moderna, até mesmo contemporânea, ela não veio apenas para contar uma história, veio para interagir com o público e sofre um pouco na opinião de alguns mais puritanos e acostumados com outros tipos de linguagem, por causa dessa sua proposta mais “descolada”.
Algumas pessoas reclamam de Rhaenyra e Galadriel serem muito teimosas, por não “darem ouvidos aos homens” se junta a elas a Mulher Hulk, por parecer subestimar os homens, como se estivessem diminuindo-os, por elas parecerem “forçadas” ou terem um “protagonismo excessivo”, mas se pararmos para pensar um pouco, Jon Snow simplesmente MORREU e ressuscitou, graças ao poder do protagonismo, e ninguém reclamou disso. Sem querer dar muito spoiler, mas no episódio 3 de A Casa do Dragão, Daemon atravessou algumas saraivadas de flechas sem ser atingido, isso me lembrou filmes antigos de faroeste onde o mocinho nunca era atingido, ou Star Wars, onde os Storm Troopers não acertam ninguém, mas há bem menos comentários reclamando do protagonismo de personagens masculinos e mais zoeiras sobre a pouca proficiência dos adversários.
Eu não sou um grande fã de Tolkien, então não estou avaliando se Os Anéis do Poder estão fiéis à obra do autor, porém, assim como eu sei que Mulher Hulk não segue exatamente nenhum arco dos quadrinhos, nem a origem de seus poderes é idêntica, mas não fico criticando por isso, se eu quisesse ver a origem da Mulher Hulk como nos quadrinhos, eu iria ler os quadrinhos, não assistir a série, ou buscar um jogo de videogame, ou ouvir um podcast. Cada mídia possui características próprias e isso deve ser respeitado. Poderiam ter mantido a história original para a série? Sim, poderiam, mas não quiseram, e com certeza quem não conhecia a Mulher Hulk tem outras coisas para criticar, como a qualidade dos efeitos visuais, após as interferências da Disney. Se você quisesse ver os detalhes e os versos de Tolkien, vá ler os livros, um fórum na internet ou um fanfic, o cinema e a série não comportam uma adaptação com este grau de fidedignidade. Cadê as reclamações pelo baixo nível de detalhamento da trilogia de Peter Jackson, ou por não terem as canções?
Parece que vivemos em um Fla-Flu, onde as pessoas sensatas estão sendo pressionadas e sufocadas pela tribo dos puritanos anti-politicamente correto, que não aceitam nada diferente do que cresceram acompanhando, enquanto do outro lado temos um pessoal que parece buscar um imediatismo na adoção de medidas que eles cresceram vendo que não existiam e parecem esperar adoção imediata de tudo o que acham certo. Por fim, ficou tudo muito extremo, as pessoas perecem ter uma dificuldade de compreender que discordar parcialmente de uma opinião, não significa apoiar completamente outra. Que você não gostar de uma coisa, não significa ÓDIO e REPÚDIO àquilo, mas apenas, gostar um pouco mais de uma outra coisa.
Uma coisa que para mim parece fácil de compreender, que é o protagonismo feminino estar ganhando mais espaço atualmente, pode não ser tão fácil de ser absorvido por outras pessoas, no primeiro episódio de Os Anéis do Poder, eu achei a Galadriel arrogante e teimosa, o que me causou um certo incômodo, ainda mais quando meu parâmetro era aquela Elfa aparentemente “poderosa” que não fez muita coisa nos filmes de Peter Jackson, porém, se ela era poderosa lá, eu fiquei curioso para conhecer mais sobre seu poder e logo eu comecei a compreender que ela era subestimada pelos homens a seu redor, e olha só, isso se parece muito com a realidade em que vivemos.
Muita gente pode alegar que na Idade Média as mulheres não tinham tamanho protagonismo e que isso pode desvirtuar a ambientação daquele universo, assim como a Jasmine do live action do Aladdin da Disney de 2019, mas, talvez alguns não saibam, estas histórias são fantasiosas e não realistas, então elas podem trabalhar e mudar isso a vontade. Quem reclama disso, às vezes pode não ter percebido que Dragões, Magos e Elfos não existiam naquela época também, mas quem reclama disso?
Então gente, o protagonismo feminino está aí, assim como o protagonismo de gays, negros, e vários outros arquétipos que fujam do homem, branco, conquistador e destemido. Vai causar estranhamento? Com certeza vai, sobretudo em quem foi bombardeado durante anos com os mesmos arquétipos, mas, estes arquétipos do passado fizeram sucesso porque davam lucros para as empresas, e hoje, as mulheres deixaram de ser somente as donas de casa, cuidadoras de crianças e acompanhantes dos maridos, e passaram a ter direitos de escolha, voz ativa e independência financeira, hoje as mulheres não dependem exclusivamente dos maridos para mover a economia, e quando movimentam a economia, não estão restritas às feiras e salões de beleza, elas podem fazer cosplays, comprar camisetas de personagens, bonecos (action figures para os mais modernos), ir ao cinema em grupos de amigas, enfim, fazer o que quiserem, e o dinheiro delas vale o mesmo que o dos homens, por isso as empresas continuaram a investir no protagonismo feminino até que isso se mostre inviável, e dificilmente grupos de homens chorando na internet sua insatisfação com o protagonismo feminino vá mudar essa realidade.