Há duas experiências ao assistir Arcane, uma como conhecedor do jogo League of Legends, e outra como não conhecedor e ambas são boas.
Para esta review eu assisti a versão dublada em português brasileiro. Ainda que eu goste de assistir no idioma original, quando este seja o inglês, como admirador da dublagem nacional, que é, inclusive, referência mundial em qualidade e técnica, estou tentando apreciar mais títulos dublados e prestigiando nossos dubladores.
Arcane é um exemplo do que os fãs de videogames estão há anos esperando e em poucas vezes receberam. Como consumidor de videogames, já vi das mais variadas adaptações, principalmente para os cinemas, que falharam muito para conosco, assim como vi alguns acertos, a maioria em adaptações animadas, o que faz muito sentido, principalmente pela questão de limitações tecnológicas que podem engessar alguns roteiros. Arcane é mais um caso que seguiu pelo caminho da animação e eu considero um sucesso.
O enredo do seriado é muito bom, ainda que limitado dentro do universo de League of Legends, é uma narrativa ampla, envolvente e bem trabalhada, mostrando o capricho de sua produção, que conseguiu pensar além da base de fãs dos jogos da Riot Games e criou uma obra de arte capaz de ser admirada pelos mais variados paladares. Para os menos críticos e apaixonados pelos jogos, é um prato cheio. Para quem não conhece o universo, mas gosta de uma série cativante que trata de vários temas, inclusive trazendo uma boa crítica social, aqui também encontrarão uma excelente opção de entretenimento.
Além de uma história fluida, com pouquíssimos pontos de quebra no ritmo, sejam para acelerar ou para atrasar, Arcane nos apresenta histórias de Piltover, uma grande região em Runeterra, que lida com duas realidades, a área desenvolvida, e a subperiferia, onde as pessoas são governadas pelo Conselho de Piltover, mas tratadas como esquecidas, o que gera atritos e surgimento de lideranças paralelas que tentam, ao seu modo, negociar e preservar a subsistência dos moradores da região. O foco inicia nas irmãs Powder (Jinx) E Violet (Vi), além do jovem Jayce e seu amigo e assistente Viktor. O que todos têm em comum é que são jovens idealistas e perseguem sonhos e objetivos distintos o que acaba fazendo com que seus destinos se cruzem e seus futuros sejam moldados conforme consequência de suas decisões.
A construção de personagens de maneira geral é satisfatória, sendo excelente em alguns momentos e um pouco mais fraca em outros. Alguns coadjuvantes conseguem nos impactar satisfatoriamente, enquanto a linha de personagens principais, esta sim é bem construída, com nuances, sutilezas e até mesmo escancaramentos, até a decisão de qual caminho será escolhido para desenvolver personagens foi bem assertiva. Um dos personagens que mais gostei foi o Professor Heimerdinger, porém, achei que a construção de seu personagem foi a mais fraca entre os principais. Jayce, por outro lado, foi bem desenvolvido, mas acho que foi quem teve um buraco um pouco maior em seu desenvolvimento. Jinx foi, com certeza, a que mais recebeu atenção, já que é uma personagem que necessitava de um cuidado especial para seu desenvolvimento, para não transmitir uma mensagem erada, ainda assim acho que em dois momentos sua personalidade não fica tão clara, talvez isso tenha sido intenção do roteiro, para criar algum desconforto nas pessoas, se esta foi a intenção, fizeram muito bem, mas ainda acho que, com um pouco mais de sutileza seriam capazes de criar o desconforto desejado sem que ficassem as dúvidas. Vi foi uma personagem com muito tempo de tela e é a personagem que parece ser mais humana, com virtudes e defeitos mais críveis e com a evolução se dando de maneira mais sutil, num degradê homogêneo que quando reparamos ficamos até perplexos e nos questionando como isso aconteceu, e a resposta é bastante convincente.
A imersão em Arcane é multissensorial, visualmente a série é maravilhosa, são gráficos modernos e belos, bastante distinguíveis, e a trilha sonora acompanha, casando-se ao audiovisual numa bela estética bastante marcante. Muitas das vezes é possível distinguir a origem de personagens por suas vestimentas, com detalhe bastante característicos de sua região, e mesmo que você não conheça o universo do LoL, o contraste te fará achar que tem alguma coisa que não se encaixa na cena e cedo ou tarde a explicação para isso virá e ficará claro o motivo disso.
As músicas são muito boas, algo que já é recorrente dentro de League of Legends, ainda que eu não goste muito do estilo da música da abertura que eu já comecei a pular no terceiro episódio. É legalzinha, empolga, o clipe de abertura foi bem-feito, mas não agradou tanto assim aos meus ouvidos. Há outras músicas que ajudam a narrativa durante os episódios, e cumprem bem seu papel.
Enfim, Arcane é uma experiência muito boa tanto para quem já conhece League of Legends quanto para quem quer uma opção de série para assistir e não conhece nada do jogo. Os fãs ficarão felizes com easter eggs, o fan service estará lá todos os episódios, e não atrapalham a experiência de quem está chegando agora. Vários personagens do game estão presentes e suas mecânicas adaptadas para a nova mídia não desapontam. Há abordagem de temas polêmicos, como a desigualdade social, corrupção, terrorismo, mas algumas pessoas parecem acreditar que isso está tudo bem, é só uma série de ficção, mas problematizam a sexualidade de personagens. Então, fica difícil saber se realmente as pessoas acreditam que os temas abordados pela série sejam apenas ficção, ou se na verdade, estão normalizando a fome, miséria e dor de milhões de pessoas no mundo real, estão desacreditadas na política, ou na capacidade de empatia dos seres humanos, tão profundamente mergulhadas em sua insignificância, carentes, e se sentindo usadas pelo sistema, que resolvem adotar o discurso barato do preconceito para tentar se autoafirmarem relevantes, trazendo à tona uma discussão vazia e contraprodutiva, que serve apenas como nuvem de fumaça para mascarar sua conivência e incapacidade de agregar para o verdadeiro debate social que possa impactar positivamente na vida de outras pessoas.
Review
Arcane
Com a segunda temporada já confirmada, Arcane foi as primeiras 9 gotas de uma potencial chuva que pode ajudar a irrigar todo um campo de ideias, abastecer um rio que fará muita água rolar por debaixo dessa ponte que é o universo de League of Legends. Além de trazer personagens carismáticos, a abordagem de temas sociais bastante condizentes com nossa sociedade contemporânea são chaves para o sucesso da série.
PROS
- História muito boa
- Desenvolvimento de personagens muito bom
- Gráficos estonteantes
- Trilha sonora bem encaixada
- Traz ao debate temas sociais contemporâneos
- Easter eggs e fan service
CONTRAS
- A série ter trazido um rework visual para o League of Legends que acabou com reset de auto ataques da Caitlyn (brincadeira não achei nada que valesse a pena citar como contra)