Um dos filmes mais extensos da Marvel é bom, explora diversidade, mas erra na repetição.
Embora muitos de nós pensemos em filmes de herói como um lugar comum para ver brigas, efeitos especiais e hipérboles, a Marvel já há algum tempo tem aplicado pequenas (quase homeopáticas) doses de discussões sociais em seus filmes, e vira e mexe trazem filmes que se aprofundam um pouco mais em temas que fujam do estereótipo de heróis, como Capitão América 2 – O Soldado Invernal, que foi um grande filme de espionagem, se mostrando mais relevante neste estereótipo do que no de herói. Pantera Negra (o primeiro), foi uma aula de cultura afro (africana, afro-americana e suas afrodescendências). Dessa forma, Pantera Negra 2 criou expectativas sobre a questão da representatividade também, e será que atendeu às expectativas? Vem que eu te conto, a partir de agora.
Ao contrário do primeiro Pantera Negra, Wakanda Forever não tem a proposta de ser um ícone de representatividade da cultura negra, ele veio com a proposta de expandir a cultura, mas, principalmente, de ser um tributo a Chadwick Boseman, que faleceu em 2020 após 4 anos de luta contra um câncer. O filme já tinha um escopo pretérito ao falecimento de Boseman, e ainda que há quem discorde, a ideia inicial foi mantida, a história era para aprofundar os reflexos do “blip” do Thanos, já que o Pantera Negra (T’Challa) havia desaparecido durante 5 anos e com isso, Wakanda ficou sem seu protetor e outras nações queriam seu vibranium, já que T’Challa havia firmado antes um acordo de cooperação. Talvez este tenha sido a maior mudança da ideia inicial, pois, com o falecimento de Boseman, a história do filme passou a contar sobre as implicâncias da morte do Pantera Negra após o blip, ou seja, tinha tudo para potencializar ainda mais a ideia original, mas, o roteiro não quis explorar tanto assim as consequências políticas e focou, insistentemente, no luto.
O filme ainda inicia sua briga geopolítica mostrando os conflitos de nações querendo acesso ao vibranium, mas isso fica mais como um sutil pano de fundo enquanto o filme, repetidamente, nos traz o luto sobre Wakanda. Chegou um ponto em que o Luto, ainda que presente e visível, nos era exposto, tornando um pouco repetitivo, algo como os excessos de quebra da quarta parede da série “Mulher-Hulk”, não é algo que tenha estragado nem o filme nem a série, mas causa um pequeno desconforto a repetição, mas na segunda metade do filme o luto é abordado a partir de outro prisma e o filme realmente se renova, é como se fossem dois filmes em um só, ou, como se tivesse terminado a primeira temporada de uma série, com muitas apresentações de personagens e contextos, e em seguida iniciado a segunda temporada, com foco totalmente diferente, o de combater a ameaça apresentada anteriormente.
O filme contou com belas e impressionantes atuações, até mesmo Letitia Wright (Shuri), a irmã de T’Challa apresentou uma atuação muito boa, superou a do primeiro Pantera Negra. Ainda que as polêmicas do mundo real tenham me feito gostar menos de atriz, eu fui assistir ao filme de mente e coração aberto, inclusive, houve uma única cena em que não consegui separar os sentimentos, mas foi uma cena que envolvia alguém sob a água, sendo que no mundo real, ela não quis se vacinar contra uma doença que, justamente, causava dificuldades para respirar. Mas, acredito que isso seja implicação da minha parte, e deve acontecer com outras pessoas, mas, realmente, seu trabalho, sua atuação foram muito bons, da primeira cena do filme, um pouco caótica, passando por cenas emocionantes, o tempo cômico, e algumas outras aparições pontuais da personagem Shuri, foram bem marcadas e bem interpretadas.
O vilão do filme parece ter divido o público, uma parte do pessoal o enxergava como um vilãozão, mal, malvado, ruim, cruel, etc… Outra parte conseguiu ver ele como um anti-herói (modinha que está conquistando espaço nas produções, ainda mais que, vai que você pega um vilão mais carismático que o mocinho, se você o matar, vai secar a fonte da prosperidade, não é mesmo?). Namor teve até seu nome explicado. Eu gostei do personagem, já que sua origem vem da mitologia maia, Kukulcan, a serpente emplumada (isso me lembrou um de meus personagens favoritos no game SMITE Battlegrounds of the Gods). O ator foi bem em seu papel, muito expressivo e boa interpretação, assim como a rainha Ramonda (Angela Bassett), Okoye (Danai Gurira), que teve mais destaque, mais falas, além de uma coreografia melhorada para sua performance e até exploraram melhor seu lado mais cômico.
Por falar em cômico, eis um tópico que nos faz lembrar que este era um filme da Marvel, as “gracinhas”. A Marvel parece ter perdido (como vem fazendo há algum tempo), a mão nas piadinhas. Embora sejam pausas ótimas para aliviar a tensão do público, o filme meio que esqueceu que tratava do luto, e achei que ficou parecendo que o tio do pavê era parente do roteirista e nos finais de semana, após o almoço em família, o roteirista ia escrever um pouco mais da história e ouvia lá da varanda uma piada do tio do pavê, ia anotar para contar pros amigos, mas se esquecia e adicionava ao roteiro. Não era piadinhas de mal gosto nem nada, mas pelo menos duas delas eu achei que sobraram, uma por ter sido colocada num tempo muito errado, e outra, porque já estava soando implicação da personagem.
O elenco bem escalado, incluindo Michael B. Jordan, que era uma incógnita sobre sua participação, já que seu personagem havia morrido no filme anterior, foi muito bem utilizado, e não foi algo assim “nossa, listaram o cara nos créditos só por isso?” Não, foi algo muito bom, importante, impactante, visual e sonoplasticamente deslumbrante e justificou totalmente seu nome nos créditos.
Falando em sonoplastia, o filme não me pareceu acertar muito na trilha sonora, algumas músicas incomodavam, até agora não sei se os sons agudos que eu ouvi em uma parte eram partes da música, ou da cena. Teve uma música que a letra combinava com o momento, mas os instrumentos pareciam brigar com toda a composição da cena. Eu acho que para quem não entende inglês, pode ser que pelo menos uma música que toca na primeira parte do filme está ali totalmente desconexa, isso me incomodou, mas não a ponto de estragar a experiência. Fora isso, os efeitos da cidade de Talocan deixaram a desejar, tanto visual quanto sonoramente, às vezes não dava para saber se os personagens estavam sob a água ou não. O que nos leva a discutir os efeitos visuais.
Visualmente a fotografia do filme acertou nas cenas durante o dia, mas à noite, a penumbra parece ter dificultado acertar ao alvo. As cenas diárias eram muito boas, a fotografia linda, animada, cores vibrantes e alegres, combinando com a proposta do filme e os elementos culturais retratados. Já as cenas a noite, parecem que foram gravadas com um smartphone intermediário, era cenas que pareciam ter um véu tapando a lente da câmera, sabe aqueles episódios horríveis de Game of Thrones, que levou o pessoa a ir reclamar no Procon, porque pagaram HBO MAX só para assistir ao final da série, mas para esconder defeitos na computação gráfica, encheram de nuvens e pesaram a mão na colorização, de forma que era impossível saber se o que estava na tela era um dragão, nevoeiro ou se a internet travou e só estávamos de frente a uma tela preta de carregamento sem aquelas bolinhas girando no centro? Pois é, as cenas noturnas de Wakanda Forever não chegavam a ser tão ridículas assim, mas era possível perceber que foi a pós0produção que deu uma escurecida um pouco além do necessário.
Os bonecos de computação gráfica em cenas de ação são perceptíveis, alguns se movem meio duros, outros se movimento um pouco mais rápido do que o comum, aí já quase não temos tempo para ver suas imperfeições, mas de forma geral, perceber que se trata de computação gráfica nestas cenas não estraga a experiência, afinal, percebemos que são movimentos sobre-humanos, causa uma leve estranheza, mas ninguém vai apertar pause no cinema e analisar quadro a quadro. Como se trata de um filme de herói que não solta raios pelas mãos, martelo, peito, olho, etc, o uso dos efeitos foi muito bom, e teve espaço até para apresentar uma personagem nova, relevante e que vai usar de muitos efeitos no futuro.
Se você quer assistir a um filme de herói, você vai encontrar isso em Wakanda Forever, se você quer um filme de reflexão, luto, tributo, vai encontrar tudo isso aqui também. Quer história de superação? Este filme também te oferece isso. Que intrigas políticas? Aqui tem. Enfim, é um filme que bom, que bebe um pouquinho de várias fontes e se tornar numa boa obra que funciona muito bem sozinho, mas que tenta te vender o Universo Cinematográfico da Marvel o tempo todo, mesmo sem a aparição de um vasto leque de super-heróis. Assim como o primeiro Pantera Negra, este filme parece querer se diferenciar do restante dos filmes da Marvel, vendendo a o universo afro à indústria cultural, e aqui, ele até dá aquela pitada de cultura latina, com foco na ancestralidade (tema forte nos dois filmes do Pantera Negra), e quem sabe Kukulclan, ou melhor, Namor, acabe ganhando uma série própria para explorarmos mais sobre um tema que ele traz à luz neste filme? Tá bom vou dar aqui o único spoiler do filme, mas isso não vai estragar sua experiência, Namor uso o termo “mutante”, se você é fã da Marvel, já imagina o que isso significa, então pode ser que enquanto estávamos assistindo Wakanda Forever, a Marvel já esteja tirando do papel planos para trazer mais heróis conhecidíssimos do público para seu panteão dos cinemas. Deadpool 3 já veio nos dizendo que podemos esperar alguém muito querido de volta às telas.
Review
Pantera Negra Wakanda Para Sempre
De forma geral, o filme foi muito bom em seu trabalho, trouxe a trama e reflexos pretendidas na ideia original, a Marvel Studios mostrou-se maleável o suficiente para reaproveitar ideias e recriar a história, trazendo um bom filme de herói e um, igualmente, bom filme de tributo. O filme possui apenas 1 cena pós-crédito, e convenhamos, é ótima e dispensa a necessidade de outras. E talvez algumas pessoas sintam como se estivesse assistindo a alguma forma de releitura de Homem-Aranha Sem volta pra Casa, ali na metade do filme.
PROS
- Temática esplêndida
- História ótima
- Representatividade
- Apenas 1 cena pós-crédito (que é incrível)
CONTRAS
- Fotografia noturna
- Repetição de diálogos