“Diário de Rorschach: 12 de outubro de 1985.
Nesta noite morreu um comediante em Nova York.”
Foi deste modo que Alan Moore e Dave Gibbons deram início à sua obra, que se tornaria uma das mais consagradas das hqs, e eleita como uma das maiores já escritas em língua inglesa. O que originalmente deveria ser apenas uma repaginação de personagens da Charlton recém-adquiridos pela DC acabou se tornando uma paródia e ao mesmo tempo uma poderosa obra sobre o mito do super-herói/vigilante tal qual ele é apresentado nas HQs, vindo a ser tema de debate por longos anos seguintes. Ao lado de Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, é considerado por muitos como um marco no amadurecimento das HQs, e um dos primeiros passos para histórias adultas – como o vindouro selo Vertigo, por exemplo. E, por longos anos, foi de consenso geral, inclusive do próprio Alan Moore, que esta obra era inadaptável – e só funcionava em seu formato original. A ideia do filme, que nasceu ainda nos anos 80, foi engavetada e só veio a ver a luz do dia em meados de 2010, pelas mãos do então consagrado cineasta Zack Snyder (300, Batman Vs Superman). O filme, tido por uns como uma das melhores adaptações, e outros, como uma abominação que distorce muitos valores da HQ, permaneceu por anos como a unica adaptação. Eis que, em 2018, a HBO, que havia acabado de encerrar sua galinha dos ovos de ouro, a famosa Game of Thrones, anuncia uma série de TV com a ousada premissa de continuar a história exatamente de onde os quadrinhos haviam parado.
Watchmen – a série, nos apresenta um mundo totalmente novo. Sai a Nova Iorque de 1985, com o pano de fundo da guerra fria e toda a ameaça do apocalipse nuclear (e toda aquela coisa de relógio do fim do mundo), e entra Tulsa, Oklahoma, com o infelizmente atual tema da intolerância racial. A escolha da região sul dos EUA – que sempre fora marcada pelo preconceito e segregacionismo, e mais que acertada. Aqui, somo conduzidos pela personagem Ângela Abar (Regina King, ótima), de dia mãe e esposa, e a noite uma “policial mascarada”, intitulada Sister Night. Damon Lindelof, o showrunner da série, nos apresenta os conceitos e o universo sem muitas explicações, o que, realmente, torna tudo muito confuso num primeiro momento. Apesar da mitologia da HQ estar presente ali em todo momento, e é realmente louvável que a trama consiga caminhar sem necessariamente se prender no passado. Vemos os policiais de Tulsa (que usam máscaras para proteger suas identidades civis), a Sétima Kavalaria (racistas radicais que se inspiram no diário de Rorschach) e Ozymandias (Jeremy Irons, como sempre perfeito), todos envoltos em uma misteriosa trama, que começa, assim como na HQ, com o assassinato de uma figura-chave da história, e Lindelof, especialista em criar mistérios desde o seriado Lost, vai plantando, aleatoriamente, perguntas e respostas conforme a trama avança.
CUIDADO: SPOILERS À FRENTE!
Basicamente, temos 3 narrativas principais – Ângela tentando desvendar o enigma do misterioso homem na cadeira de rodas (), a polícia de Tulsa ainda investigando a morte de seu superior, e o homem mais inteligente do mundo preso em um lugar misterioso. Assim como nos quadrinhos, os personagens vão sendo apresentados aos poucos, com episódios inteiramente voltados para alguns deles. I was Killed by Space junk nos apresenta Laurie Blake (Jean Smart) – a espectral das HQs, de longe uma das melhores personagens, que parece ter herdado o mesmo humor sarcástico de seu pai; Little Fear of Lightning conta a história de Looking Glass (Tim Blake Nelson), outra figura marcante, cuja história é contada de forma magistral. Contudo, é praticamente insuperável o episódio This Extraordinary Being, que narra a saga do personagem canônico Justiça Encapuzada, lindamente contada em sequências de flashbacks em preto e branco com cortes espetaculares, e uma atmosfera que remete a filmes antigos. O trabalho de cenografia, cenários e narrativa é praticamente uma aula para qualquer aspirante a cineasta, e é triste que nenhum episódio chegue a superá-lo ou igualá-lo. A God Walks Into Abar mostra a esperada presença do Dr. Manhattan, contando o que ele fez em seus anos de exílio, em uma história contada de forma genial de acordo com a percepção de espaço/tempo do personagem, que vive passado, presente e futuro ao mesmo tempo, sem, contudo, ter a possibilidade de alterar os fatos que acontecem.
Watchmen pode, de fato, não se aproximar do mérito da obra original que o inspirou, contudo, é inegável seu mérito, seja em construir personagens com os quais você se importa, ou criar todo um mistério que vai se resolvendo aos poucos – em seu último episódio, que fecha a história de forma concisa, porém muito breve (o que com certeza irá desagradar muitos), a trama geral se encerra com a maior parte de suas pontas soltas resolvidas, com exceção de algumas (exemplo: quem diabos é o “homem-lubrificante”? E onde estará Daniel Dreiberg, o Coruja, esse tempo todo?) Com um final apoteótico que lembra Inception, a série consegue ditar um tom completamente diferente do filme, onde os heróis usam roupas ridículas e metade de Nova Iorque foi destruída por um polvo gigante alienígena (que aparece com toda sua glória no episódio 5, ao som de New York, de Frank Sinatra). Com uma fotografia e figurinos bem feitos, e uma trilha sonora impecável, com toda certeza WATCHMEN vale sua atenção, independente se você for fã de Hqs ou não. Resta agora saber se haverá, de fato uma segunda temporada (já que a trama tem todas as suas pontas amarradas), e se os produtores conseguirão manter a qualidade da produção.
Nota: 7/10